“40 Dias de oração e serviço pelos Direitos Humanos” debate o papel das igrejas evangélicas durante a ascensão do ódio
Por Julia Rohden para Brasil de Fato.
(Na foto) Iniciativa do projeto Usina de Valores, do Instituto Vladimir Herzog, reuniu religiosos, intelectuais e ativistas em direitos humanos / Vinicius Martins / Instituto Vladimir Herzog
No último domingo, quando ouviu o anúncio da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) a presidente pela televisão, Anivaldo Padilha lembrou de uma passagem bíblica.
Referência evangélica na resistência contra a ditadura militar, Padilha, que já foi preso e torturado, pensou no relato de Jeremias sobre a invasão de babilônios a Jerusalém: “Ele começa a narrar atrocidades, mas em determinado momento escreve que quer se lembrar do que lhe dá esperança e lembra de toda a trajetória do povo hebreu no processo de libertação”, lembrou.
“Nesse momento em que estamos todos abatidos, é importante olhar para a nossa história e ver quais os sinais que nos dão esperança. Um deles é que o povo sempre resiste. Por isso não temos o direito de achar que perdemos”, disse Padilha.
O depoimento aconteceu durante o lançamento da campanha 40 Dias de oração e serviço pelos direitos humanos, que integra o projeto Usina de Valores, do Instituto Vladimir Herzog, na noite desta quarta-feira (31), em São Paulo. O debate reuniu religiosos, intelectuais e ativistas de direitos humanos para dialogar sobre o papel das igrejas evangélicas no contexto brasileiro.
Silvio Almeida, professor das universidades Mackenzie e Fundação Getúlio Vargas e autor do livro “O que é Racismo Estrutural”, ressaltou que o ódio disseminado no Brasil neste momento está relacionado a imposição de um projeto econômico que não poderia ser estabelecido sem violência institucional. “Nossa tarefa é complexa: temos que defender os direitos humanos, mas, ao mesmo tempo, ser contra a reforma da previdência, ser contra a reforma trabalhista, contra a venda do patrimônio público brasileiro”, afirmou.
O intelectual também ressaltou três dimensões da crise: econômica, institucional e civilizatória. Este último aspecto, de acordo com Almeida, está relacionado a crise de parâmetros de civilidade e de naturalização de ódio. “Eu, que não sou um homem religioso, considero a religião fundamental quando se volta para restabelecer o laço entre os seres humanos e a confiança na construção de uma utopia”, disse.
A teóloga e pastora evangélica Kátia Ezoite Teixeira, contou sobre as mortes de jovens que vê todos os dias em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. “As pessoas pensam que direitos humanos é para defender bandidos, é isso o que eu ouço todos os dias. Mas não é. É para defender aquela mãe que fica preocupada com o filho que volta da escola em horário do tiroteio” disse. “Não adianta dizer que somos evangélicos, e pregar o ódio. O senhor Jesus Cristo nos ensinou a amar acima de tudo. O amor é difícil, mas precisamos praticar”, defendeu.
Sobre a campanha
A campanha 40 Dias de oração e serviço pelos direitos humanos foi lançada no dia que marca os 501 anos da Reforma Protestante e os 43 anos da missa ecumênica que reuniu milhares de brasileiros na catedral da Sé em memória de Vladimir Herzog, jornalista assassinado durante a ditadura militar.
Entre 1 de novembro e 10 de dezembro serão realizadas atividades em diferentes cidades do Brasil que evidenciam a relação da bíblia com a necessidade de defender a democracia e os direitos sociais. Um dos idealizadores da campanha, o pastor Ronilso Pacheco, que atua na Comunidade Batista, em São Gonçalo (RJ), explica que o intuito é disputar o imaginário da Igreja como lugar que valoriza e respeita a dignidade e os direitos humanos.
O calendário oficial está disponível no site do Usina de Valores.