Colunistas Mauro Lopes

Programa Paz e Bem 131 – Espiritualidade; afinal, o que é isso?

Por Mauro Lopes.

O que é espiritualidade? A noção de espiritualidade não deve ser confundida com religiões institucionais. Espiritualidade é algo que está muito além das religiões. É acreditar no ritmo da vida, é ter capacidade de emocionar-se, de saltar por sobre a dureza do cotidiano e admirar-se com o mundo e com as outras pessoas e a natureza e o mistério da vida. Pode-se ser católico ou católica ou espírita ou qualquer outra denominação e não se ter qualquer espiritualidade. Há milhões de pessoas que aderem às religiões mas continuam a esmagar seus próximos, apoiam a opressão, humilham os pobres, pensam apenas em si. Difícil dizer que sejam pessoas adeptas de um caminho de espiritualidade. Há, no entanto, ateus e agnósticos e agnósticas que sensibilizam-se com a flor que nasce numa fresta do calçamento, com uma poesia, que solidarizam-se com os pobres, que levantam-se contra as ditaduras -são pessoas de intensa espiritualidade.

Pessoas que fazer um caminho de espiritualidade vivem a vida intensamente, em gratidão, e são capazes de perdão. Temos testemunhado isso nesses dias ao redor do 55º aniversário do golpe militar que implantou a ditadura no Brasil. Há pessoas que se anunciam católicas, evangélicas, espíritas e de outras denominações que comemoram o tempo da ditadura, que fingem ignorar ou até celebram as torturas às quais foram submetidas milhares de pessoas, que respiram ódio e desejo de morte.

Há outras pessoas que condenam o tempo ditatorial, que choram os mortos, os torturados, que celebram a democracia e a paz. Muitas das pessoas torturadas naquele período manifestaram-se nesses dias nas mídias progressistas e até nas conservadoras, especialmente mulheres. Apesar das feridas, das marcas das torturas, seguiram suas vidas, celebram a solidariedade e a paz, choram com uma poesia, emocionam-se com um gesto de afeto.

Algumas delas sucumbiram diante das atrocidades e chegaram ao ponto do suicídio, como frei Tito de Alencar ou Carlos Alexandre Azevedo, filho do jornalista Dermi Azevedo e da educadora  Darcy Andozia Azevedo, torturado em 1974 quando tinha menos de 2 anos de idade. São vítimas fatais, como os quase 500 mortos pelos militares no Brasil, como os milhares de presos comuns assassinados nas delegacias e presídios, como os milhões sufocados, trucidados pelas ditaduras ao longo da história.

Três exemplos de pessoas de profunda espiritualidade:

Nelson Mandela, que convidou seu carcereiro, Christo Brand, branco, para jantar com ele logo depois de solto e eleito presidente -os dois desenvolveram uma relação de amizade em meio à impiedade que marcou a relação do regime do apartheid com o grande líder.

Lula, que é incapaz de uma palavra de ódio ou de desejo de vingança apesar de tudo o que ele e sua família têm sofrido nas mãos do regime das elites brasileiras, desde as perseguições a partir de 2014 até a prisão e tudo o que temos testemunhado.Albert Woodfox, um dos “3 de Angola”, os três militantes dos Panteras Negros condenados injustamente pelo estado racista da Louisiana, nos Estados Unidos que que foram mantidos em solitárias por décadas. Woodfox ficou 43 anos, sob condições de desumanização completa, a ponto de periodicamente os guardas da prisão lançarem gás lacrimogêneo em sua cela, apenas por ele reivindicar papel higiênico. Solto há três anos, concedeu poucos dias atrás uma entrevista ao canal Democracy Now, uma espécie de 247 dos EUA. Você pode assisti-la no link a seguir. Ao final da entrevista de pouco mais de 20 minutos, ele afirma: “No meio disso tudo eu desenvolvi um inacreditável amor pela humanidade”. Assista aqui.

A imagem que é “capa” deste Paz e Bem 131 é “Cozinha, cores, luz e sombras”, Mauro Lopes, 2013

 

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